Luiz Felipe Lacerda
Escrever sobre ecologia integral é, antes de tudo, falar de vida. E vida, como nos recorda o Papa Francisco, é relação. Quando pensamos em justiça socioambiental, não estamos apenas tratando de temas técnicos ou ambientais: estamos falando de como nos relacionamos com o outro, com a Terra e com o sentido do existir. Essa é a base daquilo que chamamos de ecologia integral, uma proposta que liga espiritualidade, economia e compromisso social numa mesma teia.
Ao longo dos últimos anos, atuando no Observatório Nacional de Justiça Socioambiental (OLMA) e na Cátedra Laudato Si’ (UNICAP), tenho percebido o quanto essas conexões se tornam urgentes. O Brasil vive tempos de contrastes: um país de riquezas naturais imensas e, ao mesmo tempo, de profundas desigualdades. Por isso, não há como falar de ecologia sem falar de política, de economia, de racismo, de gênero e de território. O desafio é compreender que a crise ecológica é também uma crise civilizatória da humanidade.
Quando o Papa Francisco publicou a encíclica Laudato Si’, em 2015, ele nos convidou a uma verdadeira conversão: deixar de olhar o mundo como um recurso e passar a reconhecê-lo como casa. Dez anos depois, chegamos à COP30, que será realizada pela primeira vez na Amazônia, esse grande coração verde da humanidade, que pulsa esperança, mas também denuncia nossas feridas coletivas. É simbólico que esse encontro global aconteça aqui, num tempo em que precisamos redefinir o sentido de progresso e desenvolvimento em toda nossa sociedade.
Inspirados na Economia de Francisco e Clara insistimos na ideia de que precisamos de uma economia com alma. Isso significa reencontrar o valor das relações, o sentido do trabalho e da solidariedade. O modelo econômico atual, movido pela lógica do lucro e do descarte, esvazia o humano e destrói o planeta. Vivemos mergulhados numa cultura que transforma tudo em mercadoria, até a Natureza, os corpos e os afetos. Contra isso, é urgente cultivar uma contracultura do cuidado, capaz de devolver à economia seu sentido original: o de administrar a casa comum com cuidado e afeto.
O Papa Francisco chama essa geração de jovens, na Economia de Francisco e Clara, a “realmar a economia”. Esse verbo (realmar) tem um peso espiritual profundo. É devolver alma ao que se tornou mecânico; é recolocar a vida e o divino no centro das nossas decisões. Isso exige escuta, partilha e coragem de mudar. E é nesse ponto que a fé se transforma em compromisso concreto: quando passamos a enxergar no outro e na Natureza não um recurso, mas um rosto, uma história, uma revelação de Deus.
Penso que nosso grande desafio é refundar o vínculo: com a Terra, com os humanos e com os não humanos. As comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas já nos ensinam isso há séculos. Precisamos aprender com elas e reconhecer que outras economias já existem, silenciosas e resistentes, movidas pela reciprocidade e pelo cuidado.
A ecologia integral, portanto, não é uma ideia distante ou abstrata. É um caminho que se percorre com os pés no chão da realidade, com o coração aberto à escuta e com as mãos dispostas ao trabalho comum. Que possamos construir essa economia com alma onde o valor maior seja sempre a vida.


